terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Ella na primeira pessoa Parte II



Duas semanas se passaram depois que matei Carlos Alberto, e comecei a sentir saudades, não estava arrependida, mas sentia uma necessidade absurda de o ouvir brigar comigo porque o tinha matado.
O que está feito, está feito, pensei, mas será que não haveria forma de mudar isso?
Passei o dia em frente ao computador, procurando no google uma bruxaria para ressuscitar mortos, não achava nada, até que achei o anúncio de um Bruxo africano, dizia que resolvia os casos mais impossíveis, bem...pensei eu, ressuscitar um morto é quase impossível.
Fui no tal Bruxo, era um homem baixinho e branco, branco não, o cara era albino, tinha cabelo ruivo e era mais branco que uma folha de papel, entrei e fiquei ali especada olhando para ele.
- Está decepcionada? Perguntou o Bruxo branquelo.
- Não, eu imaginava o senhor de outra forma, mas tudo bem... vamos ao que interessa!
Contei para ele toda minha história com Carlos Alberto, o que sinceramente não fez sentido algum pois o homem era um Bruxo!
Quando finalmente parei de falar, o Bruxo, que havia ficado o tempo todo a me olhar com cara de descaso, disse:
- Hummm, estou a ver...
Eu sinceramente não estava a ver nada, e fiquei a olhar para ele espantada, até que ele começou a falar...
- Então você matou o seu amante na cama?
- Amante não! Mas sim foi na cama.
- Se ele não era o seu amante então o que era?
- Não faço ideia, nunca pensei nisso. Mentira, havia pensado o tempo todo sobre isso.
O Bruxo não disse nada, apenas levantou o sobrolho olhando para dentro dos meus olhos.
- Tá bom, tá bom, eu pensei nisso, mas nunca achei uma resposta, só sei que amante não éramos.
- Veja bem...para eu poder lhe ajudar preciso que você seja completamente sincera sobre os seus sentimentos por este Carlos Alberto, eu não quero saber da vossa história, eu quero saber dos seus sentimentos.
Como eu iria explicar para aquele Bruxo charlatão o que nem eu sabia? Depois de um longo suspiro comecei a falar...
- Quando conheci Carlos Alberto, foi como reencontrar alguém, foi como se eu tivesse em algum momento da minha vida me despedido dele, e enfim ele havia regressado, não foi um sentimento novo, era um sentimento velho que estava adormecido, quando tinha doze anos tive um sonho, sonhei com um rapaz mais velho, estávamos num corredor de uma escola, e fugíamos de uma amiga dele, essa amiga fingia que gostava de mim, mas fazia tudo parte de um plano para o conquistar, enfim...nos escondemos numa sala, e ele me beijou, foi o meu primeiro beijo, quando acordei ainda sentia o gosto dos seus lábios, dei o meu primeiro beijo num sonho, no dia seguinte, enquanto andava a caminho da escola, olhava para o rosto dos meninos que passavam a espera de o reconhecer, sabia que quando o encontrasse o reconheceria.
Abaixei a cabeça pensativa, e o Bruxo perguntou-me:
- Era Carlos?
- Mas que merda de Bruxo você é? Se você fosse tão bom como diz o anúncio saberia que eu não faço a menor ideia!
- Então porque me contou essa história? Eu disse que só queria saber dos seus sentimentos por Carlos...
- Porque quando penso em Carlos, lembro sempre deste sonho, da necessidade que eu tinha de encontrar aquele Rapaz, Lucas, esse era o seu nome, a necessidade que eu sentia em o encontrar é a mesma que sinto por Carlos, eu o odeio, o odeio porque sei que nunca será só meu, e eu queria que Carlos fosse apenas meu, que respirasse apenas para o meu beneficio, queria que a vida dele dependesse da minha, que nós dois fossemos apenas um, eu o odeio porque o amo tanto que quase enlouqueço.
- É um sentimento um bocado egoísta, esse da possessão.
- Mas que Diabos, você é um Bruxo ou um psicólogo? Eu não quero possui-lo, não como se ele fosse apenas um obejcto, eu quero ser dele e que ele seja meu, eu quero que Carlos me ame, como eu o amo.
- Mas você o odeia...
- Exactamente, o odeio e por isso o quero de volta! Quando é que você vai começar a fazer a sua mágica?
O Bruxo deu um sorriso de canto de boca.
- Não sou eu que a tenho de fazer, é você, só você pode trazer Carlos de volta a vida, foi você que o matou.
Eu juro que estava ponto de matar aquele Bruxo branquelo.
- Ah sim? E como faço isso? Não porque eu não sei se o Sr. sabe, mas o meu pózinho mágico já acabou.
- Para o ressuscitar, vais ter de o fazer da mesma maneira que o matou, na cama, a fazer amor.
Levantei da cadeira, e quase avancei para cima do Bruxo.
- Ele está morto! Ele está morto há duas semanas, como vou fazer amor com um morto?
- É simples, tens de o desenterrar, deita-lo numa cama, e fazer amor com ele.
Fiquei parada a olhar para o Bruxo de boca aberta, além de ser charlatão, era completamente louco.
- Eu não sei se o Sr. sabe mas para fazer amor com alguém, é necessário que a outra pessoa esteja...viva, e se Carlos Alberto estivesse vivo, não estava aqui a perder meu tempo com você!
- Ella, você disse que ama Carlos, não existe no mundo uma força maior que o amor, ele é a grande magia que faz girar o mundo, se o amor não é capaz de ressuscitar um morto, então eu não sei o que pode ser.
Estava cansada, sobretudo estava cansada dos conselhos inúteis daquele Bruxo, quando ele me perguntou:
- Ella, porque você matou Carlos Alberto?
Essa resposta eu sabia de cor.
- Porque ele me disse que o amor acaba, não iria suportar saber que ele existia sem um elo que nos ligasse, como se fossemos dois estranhos, não iria suportar olhar para ele e não me ver nos seus olhos, o matei porque ele me amava, e eu não queria que isso mudasse, nunca.
- E porque o quer ressuscitar?
- Porque... o amor não é linear.
Sai da casa do Bruxo sem saber se ele estava certo, certo é que a noite eu fui ao cemitério onde Carlos estava enterrado, com uma pá.
O desenterrei, quando abri o caixão lá estava ele, estava morto há duas semanas, e parecia que tinha acabado de falecer, não cheirava mal, não tinham bichos a lhe comer as entranhas, a boca ainda estava contorcida de desejo, e o mais estranho...estava quente.
Fiquei ali um segundo a olhar para ele, as outras metades que viviam dentro de mim gritavam, estavam de luto desde o dia que o matei, e agora gritavam de dor, de esperança, de raiva, raiva de mim.
Passei a mãos nos seus cabelos brancos, continuavam macios, eu adorava fazer carinhos nos seus cabelos.
Carlos era mais alto do que eu, mais pesado do que eu, eu o joguei no meu ombro e o carreguei para a fora da sepultura, o coloquei no banco do passageiro do meu carro e seguimos para minha casa.
De vez em quando olhava para o lado, e poderia jurar que o via a sorrir.
Entrei no meu quarto com Carlos nos meus braços, e o deitei na minha cama.
- Ok, precisamos de música, qual é a música apropriada para violar um morto?
Olhei para Carlos, sacana, estava mesmo a sorrir.
- Nem pensar Sr. Carlos Alberto, nem pensar que vou ouvir Michael Jackson para fazer amor com um morto! Vamos de Bossa Nova...
Coloquei o álbum da Bebel Gilberto a tocar, e a primeira música tinha um nome muito sugestivo...Samba e amor.
Me despi, despi Carlos, e deitei sobre ele, encostei minha cabeça no seu peito, e acariciei o buraco que a bala tinha feito, estava profundamente arrependida, as lágrimas começaram a cair dos meus olhos sem eu perceber, mas não era eu que chorava, eram as outras metades...
Ele estava mesmo quente, sua pele chegava a me queimar, toquei os seus lábios com os meus, mas sua boca estava rígida, lambi seus lábios com a ponta da minha língua, e continuavam rígidos, beijei o seu pescoço, e nada aconteceu, um sentimento de frustração se apoderou de mim, olhei para ele, ele estava morto, quente, cheiroso, lindo, mas estava morto...
Sentei na beirada da cama, apavorada, não sabia o que fazer, quando elas falaram comigo.
- Sozinha não vais conseguir, temos de o fazer juntas.
Um filme rebobinou na minha cabeça, lembrei de todos os momentos que vivi com Carlos desde que nós o conhecemos, lembrei de todas as vezes que nos falamos, Carlos não amava só a mim, amava as minhas várias metades, porque cada uma de nós partilhou um pedaço com ele, por isso tantos sentimentos contrários, porque jamais várias pessoas poderiam amar alguém da mesma forma.
Fechei os olhos, e as deixei sair, já não era Ella, éramos quatro mulheres, quatro mulheres que amavam um homem e o queriam de volta.
Nossos lábios tocaram os dele, e ele nos beijou, nos beijava com força, mas continuava morto, seus olhos ainda estavam fechados, fomos descendo, sempre o beijando, beijamos o buraco no seu peito, foi quando o sentimos dentro de nós, estávamos literalmente a fazer amor com um morto, mas ele estava ali, a comandar o nosso corpo, a se apossar do que tínhamos tirado dele, e foi quando atingimos o clímax, que Carlos ressuscitou, foi quando nos viu a gemer de prazer, quando sentiu nossos corpos a tremer, que ele acordou.
Ficamos ali, deitadas sobre ele, a receber as ultimas faiscas do choque eléctrico, ele afagava os nossos cabelos, e dizia baixinho nos nossos ouvidos:
- Vocês são mesmo umas menininhas...

domingo, 15 de janeiro de 2012

Ella na primeira pessoa



Foi num dia qualquer, em uma hora qualquer que Carlos Alberto me disse a verdade.
"Eu não sou livre Ella..." disse ele, eu já sabia, quer dizer eu desconfiava, e como ele me disse uma vez, desconfiar não é saber.
Acabou, eu que já o odiava passei a o odiar ainda mais, foi uma merda ouvir aquilo da boca dele, preferia ter ficado na ignorância, não dizem por aí que o que os olhos não vêem o coração não sente?
A verdade é que o que mais me doeu não foi a informação em si, foi a mentira, foi a prova de que ele mentia para mim, porque a partir daí tudo tornou-se uma enorme mentira.
Eu queria Carlos Alberto para mim, eu o queria acorrentado na minha cave, o queria numa piscina de ácido sulfúrico, até derreter o ultimo dos seus ossos, e depois beber a sua essência, para que ele fizesse parte de mim.
Eu o odiava, e por o odiar demais, eu o amava, e por o amar demais, eu me afastei, fui viver um novo amor.
Se você entrar num deposito de lixo, mesmo se não se chafurdar no meio do lixo, o cheiro nojento vai ficar pegado na tua pele, assim é Carlos, ele nos arrasta para a lama, mesmo sem o tocar, sem o ver, ele é podre, e a podridão excita, mesmo afastados, sua podridão ainda vivia em mim.
Meu novo amor morava longe de mim, convidou-me para passarmos um fim de semana juntos em sua cidade, eu fui, eram 8 horas de viagem, pensei "o que vou fazer sentada durante 8 horas dentro de um comboio?" a resposta era óbvia, pensar em Carlos Alberto, estava obcecada, nunca tinha transado com Carlos, e o outro me fazia delirar na cama, porque era em Carlos que eu pensava, eram suas mãos que me tocavam, era sua boca que mordiscava meu seio esquerdo do jeito que eu gostava.
Estava sentada no meu lugar do comboio, ouvindo Nina Simone e sentindo os lábios de Carlos no meu pescoço, quando uma voz electrónica avisou que iríamos fazer uma paragem, quando a voz disse o nome da cidade em que estávamos, não respirei, durante 1 segundo não respirei, desci do comboio e sentei-me na esplanada do café da estação, iríamos ficar ali 15 minutos, 15 minutos... o que eu ia fazer nestes 15 minutos? Óbvio...pensar em Carlos Alberto...

Nina Simone cantava:
"He needs me
I ought to leave him, but he needs me
I know that I ain't very bright
Just to tag along
Oh, but right or wrong
I'm his and I'm here
And I'm gonna be his friends or his lover"

Quando uma ideia surgiu na minha mente, ficar ali, ligar para Carlos, estar com ele, mas e o meu novo amor...? Fodasse o meu novo amor.
Fiquei...liguei para Carlos, disse que estava na cidade, iria me hospedar num hotel ao lado da estação, que ele fosse ter comigo, obviamente ele disse que sim.
Uma hora depois, estava num quarto de hotel, vestida com um robe branco, e nua por baixo dele, bateram na porta, era Carlos...
Ele entrou, ficou ali parado a me olhar, não vi nada, só senti a força de sua mão contra a minha face, e o barulho do meu corpo a cair no chão, merecia aquela chapada, sabia porque a tinha levado, eu também havia mentido.
Levantou-me, segurou o meu queixo com as pontas de dois dedos, com força, e me beijou, como eu tinha sonhado com aquele beijo, era melhor do que eu imaginava, sua boca dominava a minha, eu apenas o seguia, mordia o meu lábio inferior e o puxava com os dentes, eu estava a delirar, tirou o meu roupão, deixou cair no chão, deu dois passos para trás e ficou a me olhar, nua, de pé em frente a ele, outra chapada, novamente sabia o porque, a merecia.
O meu corpo parecia estar ligado a uma ficha eléctrica, sentia descargas para todo o lado, era Carlos, me batia e me amava, num ritmo alucinante, como se uma coisa estivesse interligada a outra, me conduzia, levava-me a um lugar onde nunca havia estado...

Nina Simone cantava:

"I put a spell on you
Because you're mine"

Eu estava em cima de Carlos, o sentindo dentro de mim, meu coração batia tão forte, minha pele queimava, havia chegado a hora, sentia Carlos a pulsar dentro de mim, tapei os seus olhos com uma mão, e com a outra agarrei nela, a havia escondido atrás de mim, sob os lençóis.
Já havia treinado para aquele dia, sabia exactamente o que fazer, mirei no seu peito, no coração que Carlos não tinha, disparei duas vezes, um fio fino de sangue derramou de seu peito, se ele sentiu dor eu não sei, porque apenas disse um "oh" abafado, continuei ali, em cima dele, e gozei, ele tinha razão, o sexo não era só carne, tive o orgasmo que tanto desejara, mas ele pertenceu a mim, e não a ele, eu possui Carlos Alberto, mas ele morreu sem saber o que era possuir a mim.
Enfiei um dedo no buraco que a bala fez no seu peito, "agora já sabes o que é ter uma ferida aberta no peito meu amor", e lambi o dedo sujo do sangue dele, sabia bem, sabia a possessão.
Levantei-me, tomei um banho, vesti a minha roupa, antes de me ir embora, dei-lhe um beijo na boca, que ainda estava contorcida de desejo.
Adeus Carlos Alberto, te vejo no Inferno.

Ella