terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Ella na primeira pessoa Parte II



Duas semanas se passaram depois que matei Carlos Alberto, e comecei a sentir saudades, não estava arrependida, mas sentia uma necessidade absurda de o ouvir brigar comigo porque o tinha matado.
O que está feito, está feito, pensei, mas será que não haveria forma de mudar isso?
Passei o dia em frente ao computador, procurando no google uma bruxaria para ressuscitar mortos, não achava nada, até que achei o anúncio de um Bruxo africano, dizia que resolvia os casos mais impossíveis, bem...pensei eu, ressuscitar um morto é quase impossível.
Fui no tal Bruxo, era um homem baixinho e branco, branco não, o cara era albino, tinha cabelo ruivo e era mais branco que uma folha de papel, entrei e fiquei ali especada olhando para ele.
- Está decepcionada? Perguntou o Bruxo branquelo.
- Não, eu imaginava o senhor de outra forma, mas tudo bem... vamos ao que interessa!
Contei para ele toda minha história com Carlos Alberto, o que sinceramente não fez sentido algum pois o homem era um Bruxo!
Quando finalmente parei de falar, o Bruxo, que havia ficado o tempo todo a me olhar com cara de descaso, disse:
- Hummm, estou a ver...
Eu sinceramente não estava a ver nada, e fiquei a olhar para ele espantada, até que ele começou a falar...
- Então você matou o seu amante na cama?
- Amante não! Mas sim foi na cama.
- Se ele não era o seu amante então o que era?
- Não faço ideia, nunca pensei nisso. Mentira, havia pensado o tempo todo sobre isso.
O Bruxo não disse nada, apenas levantou o sobrolho olhando para dentro dos meus olhos.
- Tá bom, tá bom, eu pensei nisso, mas nunca achei uma resposta, só sei que amante não éramos.
- Veja bem...para eu poder lhe ajudar preciso que você seja completamente sincera sobre os seus sentimentos por este Carlos Alberto, eu não quero saber da vossa história, eu quero saber dos seus sentimentos.
Como eu iria explicar para aquele Bruxo charlatão o que nem eu sabia? Depois de um longo suspiro comecei a falar...
- Quando conheci Carlos Alberto, foi como reencontrar alguém, foi como se eu tivesse em algum momento da minha vida me despedido dele, e enfim ele havia regressado, não foi um sentimento novo, era um sentimento velho que estava adormecido, quando tinha doze anos tive um sonho, sonhei com um rapaz mais velho, estávamos num corredor de uma escola, e fugíamos de uma amiga dele, essa amiga fingia que gostava de mim, mas fazia tudo parte de um plano para o conquistar, enfim...nos escondemos numa sala, e ele me beijou, foi o meu primeiro beijo, quando acordei ainda sentia o gosto dos seus lábios, dei o meu primeiro beijo num sonho, no dia seguinte, enquanto andava a caminho da escola, olhava para o rosto dos meninos que passavam a espera de o reconhecer, sabia que quando o encontrasse o reconheceria.
Abaixei a cabeça pensativa, e o Bruxo perguntou-me:
- Era Carlos?
- Mas que merda de Bruxo você é? Se você fosse tão bom como diz o anúncio saberia que eu não faço a menor ideia!
- Então porque me contou essa história? Eu disse que só queria saber dos seus sentimentos por Carlos...
- Porque quando penso em Carlos, lembro sempre deste sonho, da necessidade que eu tinha de encontrar aquele Rapaz, Lucas, esse era o seu nome, a necessidade que eu sentia em o encontrar é a mesma que sinto por Carlos, eu o odeio, o odeio porque sei que nunca será só meu, e eu queria que Carlos fosse apenas meu, que respirasse apenas para o meu beneficio, queria que a vida dele dependesse da minha, que nós dois fossemos apenas um, eu o odeio porque o amo tanto que quase enlouqueço.
- É um sentimento um bocado egoísta, esse da possessão.
- Mas que Diabos, você é um Bruxo ou um psicólogo? Eu não quero possui-lo, não como se ele fosse apenas um obejcto, eu quero ser dele e que ele seja meu, eu quero que Carlos me ame, como eu o amo.
- Mas você o odeia...
- Exactamente, o odeio e por isso o quero de volta! Quando é que você vai começar a fazer a sua mágica?
O Bruxo deu um sorriso de canto de boca.
- Não sou eu que a tenho de fazer, é você, só você pode trazer Carlos de volta a vida, foi você que o matou.
Eu juro que estava ponto de matar aquele Bruxo branquelo.
- Ah sim? E como faço isso? Não porque eu não sei se o Sr. sabe, mas o meu pózinho mágico já acabou.
- Para o ressuscitar, vais ter de o fazer da mesma maneira que o matou, na cama, a fazer amor.
Levantei da cadeira, e quase avancei para cima do Bruxo.
- Ele está morto! Ele está morto há duas semanas, como vou fazer amor com um morto?
- É simples, tens de o desenterrar, deita-lo numa cama, e fazer amor com ele.
Fiquei parada a olhar para o Bruxo de boca aberta, além de ser charlatão, era completamente louco.
- Eu não sei se o Sr. sabe mas para fazer amor com alguém, é necessário que a outra pessoa esteja...viva, e se Carlos Alberto estivesse vivo, não estava aqui a perder meu tempo com você!
- Ella, você disse que ama Carlos, não existe no mundo uma força maior que o amor, ele é a grande magia que faz girar o mundo, se o amor não é capaz de ressuscitar um morto, então eu não sei o que pode ser.
Estava cansada, sobretudo estava cansada dos conselhos inúteis daquele Bruxo, quando ele me perguntou:
- Ella, porque você matou Carlos Alberto?
Essa resposta eu sabia de cor.
- Porque ele me disse que o amor acaba, não iria suportar saber que ele existia sem um elo que nos ligasse, como se fossemos dois estranhos, não iria suportar olhar para ele e não me ver nos seus olhos, o matei porque ele me amava, e eu não queria que isso mudasse, nunca.
- E porque o quer ressuscitar?
- Porque... o amor não é linear.
Sai da casa do Bruxo sem saber se ele estava certo, certo é que a noite eu fui ao cemitério onde Carlos estava enterrado, com uma pá.
O desenterrei, quando abri o caixão lá estava ele, estava morto há duas semanas, e parecia que tinha acabado de falecer, não cheirava mal, não tinham bichos a lhe comer as entranhas, a boca ainda estava contorcida de desejo, e o mais estranho...estava quente.
Fiquei ali um segundo a olhar para ele, as outras metades que viviam dentro de mim gritavam, estavam de luto desde o dia que o matei, e agora gritavam de dor, de esperança, de raiva, raiva de mim.
Passei a mãos nos seus cabelos brancos, continuavam macios, eu adorava fazer carinhos nos seus cabelos.
Carlos era mais alto do que eu, mais pesado do que eu, eu o joguei no meu ombro e o carreguei para a fora da sepultura, o coloquei no banco do passageiro do meu carro e seguimos para minha casa.
De vez em quando olhava para o lado, e poderia jurar que o via a sorrir.
Entrei no meu quarto com Carlos nos meus braços, e o deitei na minha cama.
- Ok, precisamos de música, qual é a música apropriada para violar um morto?
Olhei para Carlos, sacana, estava mesmo a sorrir.
- Nem pensar Sr. Carlos Alberto, nem pensar que vou ouvir Michael Jackson para fazer amor com um morto! Vamos de Bossa Nova...
Coloquei o álbum da Bebel Gilberto a tocar, e a primeira música tinha um nome muito sugestivo...Samba e amor.
Me despi, despi Carlos, e deitei sobre ele, encostei minha cabeça no seu peito, e acariciei o buraco que a bala tinha feito, estava profundamente arrependida, as lágrimas começaram a cair dos meus olhos sem eu perceber, mas não era eu que chorava, eram as outras metades...
Ele estava mesmo quente, sua pele chegava a me queimar, toquei os seus lábios com os meus, mas sua boca estava rígida, lambi seus lábios com a ponta da minha língua, e continuavam rígidos, beijei o seu pescoço, e nada aconteceu, um sentimento de frustração se apoderou de mim, olhei para ele, ele estava morto, quente, cheiroso, lindo, mas estava morto...
Sentei na beirada da cama, apavorada, não sabia o que fazer, quando elas falaram comigo.
- Sozinha não vais conseguir, temos de o fazer juntas.
Um filme rebobinou na minha cabeça, lembrei de todos os momentos que vivi com Carlos desde que nós o conhecemos, lembrei de todas as vezes que nos falamos, Carlos não amava só a mim, amava as minhas várias metades, porque cada uma de nós partilhou um pedaço com ele, por isso tantos sentimentos contrários, porque jamais várias pessoas poderiam amar alguém da mesma forma.
Fechei os olhos, e as deixei sair, já não era Ella, éramos quatro mulheres, quatro mulheres que amavam um homem e o queriam de volta.
Nossos lábios tocaram os dele, e ele nos beijou, nos beijava com força, mas continuava morto, seus olhos ainda estavam fechados, fomos descendo, sempre o beijando, beijamos o buraco no seu peito, foi quando o sentimos dentro de nós, estávamos literalmente a fazer amor com um morto, mas ele estava ali, a comandar o nosso corpo, a se apossar do que tínhamos tirado dele, e foi quando atingimos o clímax, que Carlos ressuscitou, foi quando nos viu a gemer de prazer, quando sentiu nossos corpos a tremer, que ele acordou.
Ficamos ali, deitadas sobre ele, a receber as ultimas faiscas do choque eléctrico, ele afagava os nossos cabelos, e dizia baixinho nos nossos ouvidos:
- Vocês são mesmo umas menininhas...

domingo, 15 de janeiro de 2012

Ella na primeira pessoa



Foi num dia qualquer, em uma hora qualquer que Carlos Alberto me disse a verdade.
"Eu não sou livre Ella..." disse ele, eu já sabia, quer dizer eu desconfiava, e como ele me disse uma vez, desconfiar não é saber.
Acabou, eu que já o odiava passei a o odiar ainda mais, foi uma merda ouvir aquilo da boca dele, preferia ter ficado na ignorância, não dizem por aí que o que os olhos não vêem o coração não sente?
A verdade é que o que mais me doeu não foi a informação em si, foi a mentira, foi a prova de que ele mentia para mim, porque a partir daí tudo tornou-se uma enorme mentira.
Eu queria Carlos Alberto para mim, eu o queria acorrentado na minha cave, o queria numa piscina de ácido sulfúrico, até derreter o ultimo dos seus ossos, e depois beber a sua essência, para que ele fizesse parte de mim.
Eu o odiava, e por o odiar demais, eu o amava, e por o amar demais, eu me afastei, fui viver um novo amor.
Se você entrar num deposito de lixo, mesmo se não se chafurdar no meio do lixo, o cheiro nojento vai ficar pegado na tua pele, assim é Carlos, ele nos arrasta para a lama, mesmo sem o tocar, sem o ver, ele é podre, e a podridão excita, mesmo afastados, sua podridão ainda vivia em mim.
Meu novo amor morava longe de mim, convidou-me para passarmos um fim de semana juntos em sua cidade, eu fui, eram 8 horas de viagem, pensei "o que vou fazer sentada durante 8 horas dentro de um comboio?" a resposta era óbvia, pensar em Carlos Alberto, estava obcecada, nunca tinha transado com Carlos, e o outro me fazia delirar na cama, porque era em Carlos que eu pensava, eram suas mãos que me tocavam, era sua boca que mordiscava meu seio esquerdo do jeito que eu gostava.
Estava sentada no meu lugar do comboio, ouvindo Nina Simone e sentindo os lábios de Carlos no meu pescoço, quando uma voz electrónica avisou que iríamos fazer uma paragem, quando a voz disse o nome da cidade em que estávamos, não respirei, durante 1 segundo não respirei, desci do comboio e sentei-me na esplanada do café da estação, iríamos ficar ali 15 minutos, 15 minutos... o que eu ia fazer nestes 15 minutos? Óbvio...pensar em Carlos Alberto...

Nina Simone cantava:
"He needs me
I ought to leave him, but he needs me
I know that I ain't very bright
Just to tag along
Oh, but right or wrong
I'm his and I'm here
And I'm gonna be his friends or his lover"

Quando uma ideia surgiu na minha mente, ficar ali, ligar para Carlos, estar com ele, mas e o meu novo amor...? Fodasse o meu novo amor.
Fiquei...liguei para Carlos, disse que estava na cidade, iria me hospedar num hotel ao lado da estação, que ele fosse ter comigo, obviamente ele disse que sim.
Uma hora depois, estava num quarto de hotel, vestida com um robe branco, e nua por baixo dele, bateram na porta, era Carlos...
Ele entrou, ficou ali parado a me olhar, não vi nada, só senti a força de sua mão contra a minha face, e o barulho do meu corpo a cair no chão, merecia aquela chapada, sabia porque a tinha levado, eu também havia mentido.
Levantou-me, segurou o meu queixo com as pontas de dois dedos, com força, e me beijou, como eu tinha sonhado com aquele beijo, era melhor do que eu imaginava, sua boca dominava a minha, eu apenas o seguia, mordia o meu lábio inferior e o puxava com os dentes, eu estava a delirar, tirou o meu roupão, deixou cair no chão, deu dois passos para trás e ficou a me olhar, nua, de pé em frente a ele, outra chapada, novamente sabia o porque, a merecia.
O meu corpo parecia estar ligado a uma ficha eléctrica, sentia descargas para todo o lado, era Carlos, me batia e me amava, num ritmo alucinante, como se uma coisa estivesse interligada a outra, me conduzia, levava-me a um lugar onde nunca havia estado...

Nina Simone cantava:

"I put a spell on you
Because you're mine"

Eu estava em cima de Carlos, o sentindo dentro de mim, meu coração batia tão forte, minha pele queimava, havia chegado a hora, sentia Carlos a pulsar dentro de mim, tapei os seus olhos com uma mão, e com a outra agarrei nela, a havia escondido atrás de mim, sob os lençóis.
Já havia treinado para aquele dia, sabia exactamente o que fazer, mirei no seu peito, no coração que Carlos não tinha, disparei duas vezes, um fio fino de sangue derramou de seu peito, se ele sentiu dor eu não sei, porque apenas disse um "oh" abafado, continuei ali, em cima dele, e gozei, ele tinha razão, o sexo não era só carne, tive o orgasmo que tanto desejara, mas ele pertenceu a mim, e não a ele, eu possui Carlos Alberto, mas ele morreu sem saber o que era possuir a mim.
Enfiei um dedo no buraco que a bala fez no seu peito, "agora já sabes o que é ter uma ferida aberta no peito meu amor", e lambi o dedo sujo do sangue dele, sabia bem, sabia a possessão.
Levantei-me, tomei um banho, vesti a minha roupa, antes de me ir embora, dei-lhe um beijo na boca, que ainda estava contorcida de desejo.
Adeus Carlos Alberto, te vejo no Inferno.

Ella

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Um homem chamado Pénis Parte II

Desde pequeno Pénis foi rejeitado pela vida, foi rejeitado pela sua mãe, que queria uma menina e não um rapaz, foi rejeitado pelo seu pai, que segundo sua mãe tinha fugido para a Argentina com uma amante Colombiana, tinha sido rejeitado pela sua avó materna e por todas as mulheres de sua família que o olhavam sempre com cara de que estavam a espera que a qualquer minuto ele as apunhalasse pelas costas.
Quando tinha doze anos, sua mãe, Maria Mulher, lhe contara que havia lhe dado o invulgar nome de "Pénis", para que ele lembrasse sempre que a culpa dos maiores males da humanidade era daquilo que os homens carregavam entre as pernas.
Ele não percebeu na altura, e passou a adolescência toda sem perceber, achava que sua mãe lhe odiava, era a única razão que ele encontrava para ela lhe dar um nome que o desgraçava.
Pênis tinha dezoito anos e ainda era virgem, todos os seus amigos já haviam dado uma queca, ele nem havia chegado aos preliminares, isso porque sempre quando as meninas perguntavam o seu nome, e ele tinha de ser sincero pois sua mãe havia lhe educado muito bem, a resposta tinha sempre o mesmo resultado, a face a arder depois de um tapa, e a menina a fugir a sete pés.
As meninas da escola nem lhe falavam, todos riam e faziam piada do seu nome, as professoras coravam quando eram obrigadas a dizer o seu nome na lista de chamadas.
Uma noite, Pénis estava em pé de frente para o espelho, a observar aquilo que carregava entre as pernas, e tentava entender como "aquilo" era a causa dos grandes males do mundo, era uma coisa tão feia, descaída, nem grande nem pequeno, sinceramente não entendia porque sua mãe odiava tanto aquela coisa.
Com dezoito anos Pénis era um homem desesperado, já não aguentava mais, tinha de dar uma queca, mas todas as vezes que pensava em mentir sobre o seu nome, a voz malvada de sua mãe lhe vinha na cabeça, a dizer que os homens só serviam para fazer as mulher sofrer.
Não queria ser assim, não queria ser como seu pai, não queria ser como todos os homens de sua família, engravidar uma mulher e fugir para a Argentina com uma amante Colombiana, mas valha-me Deus, Pênis precisava dar uma queca.
Havia uma garota, Manuela, frequentava com os pais o restaurante onde ele trabalhava nos fins de semana, era linda, não, era deslumbrante, tinha um sorriso que rasgava a face de orelha a orelha, olhos negros como uma tempestade, e caracóis dourados que chegavam na cintura, e que cintura, mas o que deixava Pénis enlouquecido eram os seios de Manuela, seios de menina moça, seios de uma menina de dezassete anos, seios que faziam Pênis tocar aquilo que carregava entre as pernas, todas as noites antes de dormir.
Já fazia meses que Pénis flertava com Manuela, eram sorrisos ingénuos, e toques propositados nas mãos delicadas da garota, mas ele nunca tinha coragem para ir adiante.
Naquela noite , Manuela tinha ido jantar com os pais como sempre, mas havia algo de diferente nela, a sua roupa estava mais provocante, a sua maquilhagem estava mais carregada, o seu sorriso era mais tentador, ou ele já estava a ficar louco de desejo?
Foi no banheiro molhar a face, contar até dez, tentar voltar a razão, afinal estava condenado pelo seu nome, e nunca poderia haver nada entre ele e Manuela.
Foi quando estava de cabeça baixa, olhos fechados a dizer mentalmente que tinha de esquecer Manuela, que a sentiu a tocar a coisa, não abriu os olhos, sabia que era ela, virou-se de frente para ela e a beijou, sentiu o seu sorriso a tocar os seus lábios, sentiu a sua virgindade quando lhe tocou lá em baixo, sentiu a força de suas pernas quando ela o puxou para dentro dela, quando Pénis sentiu a coisa a jorrar para dentro de Manuela, ficou desesperado, lembrou de quando sua mãe disse que dentro da coisa ele carregava veneno, e que aquele veneno não matava a mulher, mas a transformava num ser amargo e triste, não ele não queria que Manuela, sua doce Manuela se transformasse no monstro que era a sua mãe.
Pénis saiu de dentro de Manuela, a gritar de dor, a dor que estava aprisionada durante dezoito anos em seu peito, a dor de não poder ser como os outros, a dor de ser amaldiçoado pela sua própria mãe, saiu a correr e deixou para trás uma Manuela aos prantos, pois ficou sem entender nada.
Correu, correu, correu, e chegou ao seu destino, a ponte que atravessava o rio de sua cidade, decidiu que a única forma de acabar com a maldição, era matar a coisa, era tirar a sua própria vida.
Pénis chorava, chorava pela sua mãe, pela sua avó, por todas as mulheres do mundo que haviam provado daquele veneno, do veneno que as transformavam em monstros, foi quando uma mão tocou a sua face, num instante achara que era Manuela, ou um anjo que Deus enviara para o salvar da maldição.
Abriu os olhos e ao seu lado estava uma mulher, era parecida com sua mãe, mas não a mãe que ele conhecia, com a mãe que ele via nas fotos quando era jovem, a mãe que ele sempre sonhou que fosse sua.
A mulher estava ali porque também carregava uma maldição, havia sido vendida pela sua mãe quando tinha apenas oito anos de idade, desde então já havia se deitado com todos os tipos de homens, mas nunca havia perdido a esperança de encontrar o homem que a salvaria dos seus pecados e da maldição, isso porque uma vez havia se deitado com um velho feiticeiro, que previu o seu futuro, disse-lhe que um dia tinha de caminhar até a ponte, lá estaria um homem desesperado, ela tinha de lhe tocar da face, e quando ele abrisse os olhos ela teria de lhe dizer o seu nome, e que a partir daí nunca mais estaria sozinha, teria um homem que cuidaria dela até morrer.
E assim o fez.
Quando Pénis abriu os olhos, a mulher sorriu e disse: "Olá, meu nome é Vagina."
Sentado em baixo da ponte, estava um velho feiticeiro, que sorria com os poucos dentes que ainda lhe restavam na boca, e dizia para si mesmo: "porque sempre haverá uma vagina carente para um Pénis desesperado".
Vitória, vitória, acabou-se a história.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Um homem chamado Pénis Parte I

Maria Mulher era filha de mãe solteira, tal como sua avó, bisavó e todas as suas antepassadas.
Mercedes mãe de Mulher, era uma linda mexicana de cabelos negros, que havia imigrado junto com a sua família, para o sul do Brasil nos anos 60.
Foi numa noite quente de verão, que Mercedes conheceu Santiago, um gaúcho dez anos mais velho, e lindo de morrer.
Santiago era um homem apaixonado e possessivo, não aceitava dividir sua Mercedes com quem quer que fosse, nem com um filho, quando disse para Mercedes que não queria ter filhos, o coração dela ficou pequeno temia ter o mesmo destino das suas antepassadas, mas Mercedes amava Santiago ardentemente, abdicou de seu ventre, e durante cinco anos viveu um romance escaldante com seu amado.
Foi numa visita a sua mãe que descobriu, esperava um filho de Santiago, quando voltou para casa encheu-se de coragem e contou a novidade para Santiago, os olhos dele endureceram instantaneamente, mais tarde ela recordaria como ao ouvir uma única frase, aquele homem tornará-se em um estranho.
"O teu corpo é meu!" Dizia ele.
"Santiago pelo amor de Deus, é teu filho, fruto do nosso amor!" Mercedes, desesperada, rogava em vão.
"Não te divido com ninguém Mulher! Tu és minha, no teu corpo ninguém toca, dos teus seios só os meus lábios podem sentir o sabor, ou te livras desta coisa que carregas no ventre, ou eu mato os dois!"
A sentença estava lançada, não havia escolha possível, ou matava o seu filho amado, ou o seu amado matava aos dois.
A noite, ao deitar, Santiago estava amuado do outro lado da cama, ela deitou-se ao seu lado e sussurrou no seu ouvido:
"Amor..."
"Não adianta Mercedes, minha decisão está tomada!"
"Eu sei amor, tens razão, amanhã eu vou bem cedo vou a uma médica na cidade, ouvi dizer que ela mata...faz esse serviço."
"Muito bem eu vou contigo." Respondeu Santiago secamente.
"Não, eu quero fazer isso sozinha, agora seja o meu homem, e faça amor comigo."
"Enquanto essa coisa estiver aí, não lhe toco!"
"Faça de conta que somos só nós, eu te quero tanto..." Disse Mercedes com uma voz suave, enquanto acariciava seu amado.
Santiago não resistiu e tomou Mercedes nos seus braços, naquela noite fizeram amor como na primeira vez, , Mercedes gemia de prazer, e Santiago sentia-se um homem de sorte, por ter sua Mercedes só para si.
De manhã cedo, Santiago ainda dormia quando Mercedes foi para a cidade.
Mas o seu destino não era a tal médica, o que Santiago não sabia era que Mercedes já havia engravidado dele outras três vezes, e em todas havia tirado a criança, com a tal médica, na ultima vez sua vida ficou por um fio, ela sobreviveu, mas a médica disse que se fizesse mais um aborto, não poderia mais ter filhos.
E ela decidiu que se voltasse a engravidar contaria para Santiago, talvez o seu coração amolecesse, e seriam felizes com o seu filho, mas se não houvesse uma mudança, ela teria aquele filho custasse o que custasse.
Na noite anterior, ela soube que Santiago jamais a deixaria ter aquele filho, por isso tomou a decisão que a fez fazer duas paragens na cidade, num feiticeiro e numa bomba de gasolina.
Quando chegou a casa, Santiago lhe ofereceu uma rosa, e disse que tinham de comemorar, Mercedes concordou, mas o fitou com olhos tristes, Santiago a abraçou e disse:
"Não se preocupe Mulher, bastamos nós os dois para sermos felizes, és minha e é assim que tem de ser..."
Mercedes beijou os lábios de Santiago, cheia de vontade, disse que ia preparar uma bebida fresquinha para "comemorar".
Enquanto Santiago esperava na sala, Mercedes tirou da bolsa um saquinho com a erva que o feiticeiro havia preparado, ele lhe prometera que Santiago iria dormir profundamente, não sentiria nenhuma dor, ela confiava nele, como as outras mulheres de sua família um dia também haviam confiado.
Mercedes e Santiago brindaram a morte da "coisa", e fizeram amor, antes dele cair num sono profundo, Mercedes disse:
"Eu te amo meu amor...perdoa-me,"
Mas Santiago mal teve tempo para responder que também a amava.
Mercedes deitava a gasolina sobre o corpo de Santiago, a chorar compulsivamente, e cantava baixinho a velha canção de ninar, que a sua mãe havia lhe cantado um dia.
"Se esta rua, se esta rua fosse minha, eu mandava, eu mandava, ladrilhar com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes, só para o meu, para o meu amor passar..."
Mercedes riscou o fósforo e o atirou na cama, o quarto iluminou-se com a luz do fogo, sentou-se numa cadeira e ficou a olhar, hipnotizada pelo fogo, as chamas consumirem cada centímetro do corpo daquele que outrora foi o grande amor de sua vida.
O feiticeiro tinha razão, ele não sentiu dor...
Continuou a cantar:
"Nesta rua, nesta rua tem um bosque, que se chama, que se chama solidão, dentro dele, dentro dele tem um anjo, que roubou, que roubou meu coração."
No dia seguinte, Mercedes guardou uma parte das cinzas de Santiago, dentro da uma velha caixinha de café, que sua avó lhe tinha oferecido.
Colocou as malas no carro, e a caixinha no banco ao seu lado.
Antes de sair de casa, parou na frente do espelho, com as mãos a tocar a sua barriga, disse:
"Vais te chamar Maria Mulher, para que nunca te esqueças que o grande amor da vida de uma mulher, vem de dentro do seu ventre."

Continua...

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Auto-afirmação de uma louca

Eu nunca fui Caroll...
Quando eu nasci , era enorme, gordinha, boxexuda e cabeluda, já nessa altura, posso apostar, que ninguém chamava-me pelo nome.
Posso até ver aquele monte de parentes, sim porque brasileiro sempre tem UM MONTE DE PARENTES, apertando minhas boxexas, mordendo as minhas dobrinhas das pernas, apertando o meu bumbum a dizer: "olha ela já tem celulite", a me chamar de boxexudinha, ainda chamam, godinha gotosa da mamãe, da vovó, da titia do vovô e etc, hoje como eu já sou grande é gorda mesmo, quindinsinho do papai, ele ainda me chama assim e apertando minhas boxexas, e outros nomesinhos humilhantes, não é a toa que Deus nos deu uma memória curta.
Eu cresci um pouco e virei a esquisita, a enfezada, a Viuvinha, só vestia de preto, a "a D e a B estão tão lindas...ah olá Carolline", sabem aquele lance de chamarem a Aguilera de "a que tem voz"? Eu era a "a que tem personalidade forte", o forte era uma crítica tá.
Um pouquinho de tempo depois "a que é madura demais para sua idade", a sonhadora, a "a vida não é um filme Carolline", a anti social, a esquisita, a estranha, a "essa é menina é maluca, não ela só pode ter algum problema mental", a "não dá para falar mais baixo Carolline!".
Quando tinha 13 anos e meu pai voltou a casar eu virei "a revoltada", a problemática, "a que parece um moleque porque joga futebol e usa roupas largas", quando eu disse um "não to afim" para o garoto mais lindo da escola, eu virei "a sapata, aquela que não gosta de meninos", e quando a directora ligava para minha mãe para dizer que pela milésima vez eu faltei as aulas, ela aparecia na biblioteca do bairro, para onde eu fugia, e interrompia a minha leitura a gritar que eu era "a rebelde sem causa".
Na formatura do 1ºgrau, quando disseram o meu nome a chamar-me para o palco para receber o diploma, eu caminhei com os meus jeans rasgados e a velha camisola do Legião Urbana, com a letra de Faroeste Cabloco escrita atrás, com a turma toda a gritar "Rockeira maluca, rockeira maluca", não era uma crítica tá, eles me adoravam.
E nunca fui Brasileira, uma vez o coreógrafo que nos ensaiou para dançar na festa de 15 anos da minha melhor amiga, disse-me que eu tinha "ancas de brasileira e um jingado de americana", nessa altura não bebia tequila e Shakira não era loira.
Não tinha bunda, pesava uns 50kgs, e tinha uns 10kgs só de peito, não sambava, odiava pagode, funk, costumava colocar a coluna de som tocando Ac/Dc no último volume para implicar com meus vizinhos funkeiros, a cegonha tava podre de bêbada quando me jogou no Rio de Janeiro.
Naquela época a minha mãe pagou 10 reais para um filho de um amigo dela sair comigo, fomos ao cinema, entrei muda e sai calada, hoje ela reclama que eu sou namoradeira.
Em Portugal virei "a Brasileira", e um dia depois de muitos outros dias a ser humilhada por causa do meu sotaque, da minha cara, do meu nariz batatinha, do brasileira tatuado na minha testa, eu a viuvinha, a menina das roupas largas, sai de casa com um jeans que tinha a cintura tão baixa que mais parecia um bikine com pernas, um top rosa com a barriga de fora, o cabelo solto sem esticar, todo enrolado, cheguei no café e disse "aí moça quero um café com leite e um misto quente!", tudo bem que depois tive de traduzir, mas esse foi o momento mais patriota da minha vida, aliás tornei-me patriota.
Toda gente dizia que eu falava "Boa tardi", eu quebrava pau a dizer que eram todos loucos que eu falava "Boa tarde", e um dia estava a assistir a GNT, e começou o RJTV, o jornal regional do Rio, e os apresentadores disseram juntos "Boa tardiiii", foi então que eu virei "a eu não sou Brasileira, sou Carioca", a "Carioquinha Surreal".
Eu já fui furacão, já fui a Shakira lá da zona, e quando cai de moto numa manhã de Julho, virei a "miss perna partida 2006" e quando voltei a andar, a "Coxa".
Mais ou menos nove meses depois de ter feito um teste de farmácia na casa de banho do Algarve Shopping e ter me deparado com um par de linhas roxas, eu virei a "mãe da Isabella", e voltei a ser a Godinha gotosa, porque toda gente te vergonha de dizer-me que eu to gorda pra caralho.
Não eu nunca fui Caroll, quando eu era criança, sonhava em morar em São Francisco, achava que lá só vivia gente diferente, e por isso eram normais.
Hoje em dia eu não vivo em São Francisco, mas São Francisco vive em mim, sabem quando você é a vida toda tratada por "diferente", você aprende a analisar o que é ser normal, ser normal é ser igual, se toda a gente fosse louca, ser louco era ser normal, a maioria é quem decide o que é diferente, o que é que devemos ser.
Ai de quem não segue as regras, ai de quem não veste a pele de "normal" e tem a audácia de discordar do resto da humanidade.
A escritora Tati Bernardi escreveu um conto chamado "A mulher que não prestava", eu o conheço bem, eu sempre fui a mulher que não prestava, mas também sempre fui a mulher que amam ou odeiam, os meus melhores amigos não são loucos como eu, são pessoas normais, gente normal adora ter um louco por perto.
Mas para aqueles que me criticam, me julgam, me condenam, eu pergunto: quando o mundo acabar, quem você quer ao seu lado, a gordinha, rockeira desbocada, que bebe tequila e acha que sabe falar espanhol e dançar igual a shakira, que te dá vontade de a matar morrendo de rir e que quando trepa geme alto e fala palavrão, ou a magrinha bunitinha, perfeitinha, legalsinha, que não bebe, é politicamente correcta e que quando trepa, desculpa ela não trepa, faz amor, é como uma tábua, entra muda e sai calada?
Loucura é não ser eu.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

A primeira cicatriz

Eu tinha oito anos, e rolava um boato no meu bairro, que alguem numa Kombi branca andava a sequestrar crianças, na escola, em casa, todos nos alertavam e nos mandavam tomar cuidado.
Toda vez que eu via uma Kombi branca, ficava em alerta, pronta para fugir, sair correndo para o colo do meu pai, enorme, meu herói, que iria me proteger de todos os malvados que existiam no mundo, até aqueles que andavam por aí com uma Kombi branca a levar os filhos para longe de seus pais.
Eu não lembro se era manhã ou noite, não lembro se era verão ou inverno, só lembro de uma Kombi branca parada da frente da minha casa, e o meu pai levou sua bicicleta para dentro dela, e eu pensava: "Como ele vai pedalar com a gente para a cada da minha avó?" e levou o material de desenho, os livros, as roupas, e a cada coisa que ele levava, o meu corpo todo ficava mais em alerta, eu já tinha ouvido falar disso, de pais que iam embora, por fim ele entrou na Kombi branca, e eu entendi.
Eu tinha oito anos, quando uma Kombi branca levou o meu pai embora, e eu levei outros vinte anos para entender que essa foi a primeira ferida aberta no meu peito.