quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Auto-afirmação de uma louca

Eu nunca fui Caroll...
Quando eu nasci , era enorme, gordinha, boxexuda e cabeluda, já nessa altura, posso apostar, que ninguém chamava-me pelo nome.
Posso até ver aquele monte de parentes, sim porque brasileiro sempre tem UM MONTE DE PARENTES, apertando minhas boxexas, mordendo as minhas dobrinhas das pernas, apertando o meu bumbum a dizer: "olha ela já tem celulite", a me chamar de boxexudinha, ainda chamam, godinha gotosa da mamãe, da vovó, da titia do vovô e etc, hoje como eu já sou grande é gorda mesmo, quindinsinho do papai, ele ainda me chama assim e apertando minhas boxexas, e outros nomesinhos humilhantes, não é a toa que Deus nos deu uma memória curta.
Eu cresci um pouco e virei a esquisita, a enfezada, a Viuvinha, só vestia de preto, a "a D e a B estão tão lindas...ah olá Carolline", sabem aquele lance de chamarem a Aguilera de "a que tem voz"? Eu era a "a que tem personalidade forte", o forte era uma crítica tá.
Um pouquinho de tempo depois "a que é madura demais para sua idade", a sonhadora, a "a vida não é um filme Carolline", a anti social, a esquisita, a estranha, a "essa é menina é maluca, não ela só pode ter algum problema mental", a "não dá para falar mais baixo Carolline!".
Quando tinha 13 anos e meu pai voltou a casar eu virei "a revoltada", a problemática, "a que parece um moleque porque joga futebol e usa roupas largas", quando eu disse um "não to afim" para o garoto mais lindo da escola, eu virei "a sapata, aquela que não gosta de meninos", e quando a directora ligava para minha mãe para dizer que pela milésima vez eu faltei as aulas, ela aparecia na biblioteca do bairro, para onde eu fugia, e interrompia a minha leitura a gritar que eu era "a rebelde sem causa".
Na formatura do 1ºgrau, quando disseram o meu nome a chamar-me para o palco para receber o diploma, eu caminhei com os meus jeans rasgados e a velha camisola do Legião Urbana, com a letra de Faroeste Cabloco escrita atrás, com a turma toda a gritar "Rockeira maluca, rockeira maluca", não era uma crítica tá, eles me adoravam.
E nunca fui Brasileira, uma vez o coreógrafo que nos ensaiou para dançar na festa de 15 anos da minha melhor amiga, disse-me que eu tinha "ancas de brasileira e um jingado de americana", nessa altura não bebia tequila e Shakira não era loira.
Não tinha bunda, pesava uns 50kgs, e tinha uns 10kgs só de peito, não sambava, odiava pagode, funk, costumava colocar a coluna de som tocando Ac/Dc no último volume para implicar com meus vizinhos funkeiros, a cegonha tava podre de bêbada quando me jogou no Rio de Janeiro.
Naquela época a minha mãe pagou 10 reais para um filho de um amigo dela sair comigo, fomos ao cinema, entrei muda e sai calada, hoje ela reclama que eu sou namoradeira.
Em Portugal virei "a Brasileira", e um dia depois de muitos outros dias a ser humilhada por causa do meu sotaque, da minha cara, do meu nariz batatinha, do brasileira tatuado na minha testa, eu a viuvinha, a menina das roupas largas, sai de casa com um jeans que tinha a cintura tão baixa que mais parecia um bikine com pernas, um top rosa com a barriga de fora, o cabelo solto sem esticar, todo enrolado, cheguei no café e disse "aí moça quero um café com leite e um misto quente!", tudo bem que depois tive de traduzir, mas esse foi o momento mais patriota da minha vida, aliás tornei-me patriota.
Toda gente dizia que eu falava "Boa tardi", eu quebrava pau a dizer que eram todos loucos que eu falava "Boa tarde", e um dia estava a assistir a GNT, e começou o RJTV, o jornal regional do Rio, e os apresentadores disseram juntos "Boa tardiiii", foi então que eu virei "a eu não sou Brasileira, sou Carioca", a "Carioquinha Surreal".
Eu já fui furacão, já fui a Shakira lá da zona, e quando cai de moto numa manhã de Julho, virei a "miss perna partida 2006" e quando voltei a andar, a "Coxa".
Mais ou menos nove meses depois de ter feito um teste de farmácia na casa de banho do Algarve Shopping e ter me deparado com um par de linhas roxas, eu virei a "mãe da Isabella", e voltei a ser a Godinha gotosa, porque toda gente te vergonha de dizer-me que eu to gorda pra caralho.
Não eu nunca fui Caroll, quando eu era criança, sonhava em morar em São Francisco, achava que lá só vivia gente diferente, e por isso eram normais.
Hoje em dia eu não vivo em São Francisco, mas São Francisco vive em mim, sabem quando você é a vida toda tratada por "diferente", você aprende a analisar o que é ser normal, ser normal é ser igual, se toda a gente fosse louca, ser louco era ser normal, a maioria é quem decide o que é diferente, o que é que devemos ser.
Ai de quem não segue as regras, ai de quem não veste a pele de "normal" e tem a audácia de discordar do resto da humanidade.
A escritora Tati Bernardi escreveu um conto chamado "A mulher que não prestava", eu o conheço bem, eu sempre fui a mulher que não prestava, mas também sempre fui a mulher que amam ou odeiam, os meus melhores amigos não são loucos como eu, são pessoas normais, gente normal adora ter um louco por perto.
Mas para aqueles que me criticam, me julgam, me condenam, eu pergunto: quando o mundo acabar, quem você quer ao seu lado, a gordinha, rockeira desbocada, que bebe tequila e acha que sabe falar espanhol e dançar igual a shakira, que te dá vontade de a matar morrendo de rir e que quando trepa geme alto e fala palavrão, ou a magrinha bunitinha, perfeitinha, legalsinha, que não bebe, é politicamente correcta e que quando trepa, desculpa ela não trepa, faz amor, é como uma tábua, entra muda e sai calada?
Loucura é não ser eu.

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